Final, de Pablo Neruda – 332 Poemas No 56


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Pablo Neruda1

Foram criados por mim estas palavras com meu sangue, com minhas dores, foram criadas!

Eu entendo amigos, eu entendo tudo.
Elas se misturaram inadvertidamente nas minhas, Eu entendo, amigos!
Como se eu quisesse voar para mim e chegassem Socorrendo-me com suas asas das aves,
todas as asas,
estas palavras vieram assim estrangeiras
desatar a embriaguez escura de minha alma.

É o amanhecer, e parece
que não foram apertadas as angústias
em laços tão terríveis ao redor da garganta. E porém,
foram criados,
com meu sangue, com minhas dores,
eles foram criados por mim estas palavras!

Palavras para a alegria
como era meu coração
uma coroa de chamas;
palavras do uma dor que se prega, dos instintos que remoem,

dos impulsos que ameaçam,
dos desejos infinitos,
das inquietudes amargas,
palavras do amor que floresce em minha vida
como uma terra vermelha cheia de cogumelos brancos.

Não ajustaram em mim. Nunca ajustaram. De menino minha dor foi o grito
E minha alegria foi o silêncio.

Depois os olhos
esqueceram das lágrimas
varrido pelo vento do coração de todos.

Agora, me fale amigos, onde onde esconder aquele afiada fúria dos soluços.

Fale-me, amigos, onde
esconder o silêncio para que nunca ninguém, sinta isto com a audição ou com os olhos.

vieram as palavras, e meu coração,
incontáveis como um amanhecer,
rompendo as palavras e se prendem seu vôo,
e nos vôos heróicos nos levam e nos arrastam, abandonado e louco, e olvidado debaixo delas como um pássaro morto debaixo das suas asas.

A um Poeta, Antero de Quental – 332 Poemas No 55


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Antero de Quental

Tu que dormes, espírito sereno,
Posto à sombra dos cedros seculares,
Como um levita à sombra dos altares,
Longe da luta e do fragor terreno.

Acorda! É tempo! O sol, já alto e pleno
Afugentou as larvas tumulares…
Para surgir do seio desses mares
Um mundo novo espera só um aceno…

Escuta! É a grande voz das multidões!
São teus irmãos, que se erguem! São canções…
Mas de guerra… e são vozes de rebate!

Ergue-te, pois, soldado do Futuro,
E dos raios de luz do sonho puro,
Sonhador, faze espada de combate!

E então, que quereis?, de Vladimir Maiokovski – 332 Poemas No 54


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Majakovskij.face

Fiz ranger as folhas de jornal
abrindo-lhes as pálpebras piscantes.
E logo
de cada fronteira distante
subiu um cheiro de pólvora
perseguindo-me até em casa.
Nestes últimos vinte anos
nada de novo há
no rugir das tempestades.

Não estamos alegres,
é certo,
mas também por que razão
haveríamos de ficar tristes?

O mar da história
é agitado.
As ameaças
e as guerras
havemos de atravessá-las,
rompê-las ao meio,
cortando-as
como uma quilha corta
as ondas.

A Espera dos Barbaros , John Maxell Coetzee – 332 Poemas No 53


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O que esperamos na ágora reunidos?

É que os bárbaros chegam hoje.

Por que tanta apatia no senado?
Os senadores não legislam mais?

É que os bárbaros chegam hoje.
Que leis hão de fazer os senadores?
Os bárbaros que chegam as farão.

Por que o imperador se ergueu tão cedo
e de coroa solene se assentou
em seu trono, à porta magna da cidade?

É que os bárbaros chegam hoje.
O nosso imperador conta saudar
o chefe deles. Tem pronto para dar-lhe
um pergaminho no qual estão escritos
muitos nomes e títulos.

Por que hoje os dois cônsules e os pretores
usam togas de púrpura, bordadas,
e pulseiras com grandes ametistas
e anéis com tais brilhantes e esmeraldas?
Por que hoje empunham bastões tão preciosos
de ouro e prata finamente cravejados?

É que os bárbaros chegam hoje,
tais coisas os deslumbram.

Por que não vêm os dignos oradores
derramar o seu verbo como sempre?

É que os bárbaros chegam hoje
e aborrecem arengas, eloqüências.

Por que subitamente esta inquietude?
(Que seriedade nas fisionomias!)
Por que tão rápido as ruas se esvaziam
e todos voltam para casa preocupados?

Porque é já noite, os bárbaros não vêm
e gente recém-chegada das fronteiras
diz que não há mais bárbaros.

Sem bárbaros o que será de nós?
Ah! eles eram uma solução.

Saudação, de Ezra Pound – 332 Poemas No 52


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SAUDAÇÃO

Oh geração dos afetados consumados
e consumadamente deslocados,
Tenho visto pescadores em piqueniques ao sol,
Tenho-os visto, com suas famílias mal-amanhadas,
Tenho visto seus sorrisos transbordantes de dentes
e escutado seus risos desengraçados.
E eu sou mais feliz que vós,
E eles eram mais felizes do que eu;
E os peixes nadam no lago
e não possuem nem o que vestir.

(tradução de Mário Faustino)

A Partida, de Vinicius de Moraes – 332 Poemas No 51


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vinicusdemoraes

Quero ir-me embora pra estrela
Que vi luzindo no céu
Na várzea do setestrelo.
Sairei de casa à tarde
Na hora crepuscular
Em minha rua deserta
Nem uma janela aberta
Ninguém para me espiar
De vivo verei apenas
Duas mulheres serenas
Me acenando devagar.
Será meu corpo sozinho
Que há de me acompanhar
Que a alma estará vagando
Entre os amigos, num bar.
Ninguém ficará chorando
Que mãe já não terei mais
E a mulher que outrora tinha
Mais que ser minha mulher
É a mãe de uma filha minha.
Irei embora sozinho
Sem angústia nem pesar
Antes contente da vida
Que não pedi, tão sofrida
Mas não perdi por ganhar.
Verei a cidade morta
Ir ficando para trás
E em frente se abrirem campos
Em flores e pirilampos
Como a miragem de tantos
Que tremeluzem no alto.
Num ponto qualquer da treva
Um vento me envolverá
Sentirei a voz molhada
Da noite que vem do mar
Chegar-me-ão falas tristes
Como a querer me entristar
Mas não serei mais lembrança
Nada me surpreenderá:
Passarei lúcido e frio
Compreensivo e singular
Como um cadáver num rio
E quando, de algum lugar
Chegar-me o apelo vazio
De uma mulher a chorar
Só então me voltarei
Mas nem adeus lhe darei
No oco raio estelar
Libertado subirei.

Tarde de Maio, de Carlos Drummond de Andrade – 332 Poemas No 50


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CarlosDrummondDeAndrade

TARDE DE MAIO

Como esses primitivos que carregam por toda parte o maxilar inferior de
seus mortos,
assim te levo comigo, tarde de maio,
quando, ao rubor dos incêndios que consumiam a terra,
outra chama, não-perceptível, e tão mais devastadora,
surdamente lavrava sob meus traços cômicos,
e uma a uma, disjecta membra, deixava ainda palpitantes
e condenadas, no solo ardente, porções de minh’alma
nunca antes nem nunca mais aferidas em sua nobreza sem fruto.

Mas os primitivos imploram à relíquia saúde e chuva,
colheita, fim do inimigo, não sei que portentos.
Eu nada te peço a ti, tarde de maio,
senão que continues, no tempo e fora dele, irreversível,
sinal de derrota que se vai consumindo a ponto de
converter-se em sinal de beleza no rosto de alguém
que, precisamente, volve o rosto, e passa…
Outono é a estação em que ocorrem tais crises,
e em maio, tantas vezes, morremos.

Para renascer, eu sei, numa fictícia primavera,
já então espectrais sob o aveludado da casca,
trazendo na sombra a aderência das resinas fúnebres
com que nos ungiram, e nas vestes a poeira do carro
fúnebre, tarde de maio, em que desaparecemos,
sem que ninguém, o amor inclusive, pusesse reparo.

E os que o vissem não saberiam dizer: se era um préstito
lutuoso, arrastado, poeirento, ou um desfile carnavalesco.
Nem houve testemunha.

Não há nunca testemunhas. Há desatentos. Curiosos, muitos.
Quem reconhece o drama, quando se precipita sem máscaras?
Se morro de amor, todos o ignoram
e negam. O próprio amor se desconhece e maltrata.
O próprio amor se esconde, ao jeito dos bichos caçados;
não está certo de ser amor, há tanto lavou a memória
das impurezas de barro e folha em que repousava. E resta,
perdida no ar, por que melhor se conserve,
uma particular tristeza, a imprimir seu selo nas nuvens.

Fui a Floresta, de Thoreau – 332 Poemas No 49


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Thoreau

“Fui à floresta porque queria viver de verdade.
Eu queria viver profundamente e tirar toda a essência da vida.
Fazer apodrecer tudo que não era e vida,e não,quando eu morrer descobrir que não vivi.”

Ulisses, de Albert Lord Tenysson – 332 Poemas 48


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250px-Alfred_Tennyson

 


É de pouca serventia que um rei inútil
Defronte este manso fogo, entre esses montes calvos,
Casado com uma velha esposa, deite
Leis injustas sobre uma raça selvagem
Que enriquece, dorme, e come, e não me conhece.
Não posso abster-me de viajar: beberei
A vida até a última gota: todo tempo gozei
Enormemente, sofri enormemente, ambos com aqueles
Que me amaram, e só; na orla e quando
Através da ventania castigante que chuvosas Híades
Irritavam o mar escuro: tornei-me famoso;
Sempre vagando com um coração faminto
Muito vi e conheci; cidades de homens
Suas maneiras, climas, conselhos, governos
Não sendo ignorado, mas honrado em todas.
E bebi o deleite da batalha com meus pares,
Alhures nas resonantes planícies de Tróia.
Sou parte de tudo que encontrei;
Não obstante toda experiência é um arco através do qual
Brilha aquele mundo ignoto, cuja margem evanesce
Para sempre e para sempre quando me movo
Como é enfadonho deter-me, terminar,
Enferrujar sem brilho, não fulgurar em uso!
Como se respirar fosse viver. Uma vida sobre outra
Seria muito exíguo, e a única que me resta
Pouco resta: mas cada hora salva-me
Do eterno silêncio, algo mais,
Traz a bem-aventurança; e seria desprezível
Resguardar-me à causa de três sois,
Este espírito cinéreo ansioso de desejo
De seguir o conhecimento, como uma estrela cadente,
Além da última fronteira do pensamento humano.

Este é meu filho, meu Telêmaco,
Para o qual deixo meu cetro e a ilha–
Por mim bem amado, tem dicernimento para triunfar
Nesta tarefa, por lenta prudência, amansar
Um povo rude, e por parcimônia
Submetê-los ao útil e ao bom.
É impecável, centrado na esfera
Dos interesses comuns, decente em não falhar
Em sua compaixão, e cumprir
Os ritos aos deuses guardiães,
Quando partir. Ele fará seu trabalho, e eu, o meu.
Ali está o porto: o veleiro infla sua vela:
Ali entristece o amplo e obscuro mar. Meus marinheiros,
Almas que trabalharam e sofreram , e pensaram comigo –
Que sempre bem acolheram
O trovão e o brilho do sol, e oporam-lhes
Corações e faces livres – vós e eu somos velhos;
A idade avançada tem sua honra e seu peso;
A morte encerra tudo; porém algo outrora o fim,
Algum trabalho notável, pode ainda ser feito,
Não desonrando homens que combateram os deuses.
A luz começa a cintilar entre as rochas:
O longo dia chega ao fim: a lenta lua ascende: os profundos
Lamentos são muitas vozes. Venham, amigos,
Não é tarde para buscar um novo mundo.
Zarpemos, e sentados em perfeita ordem aflijamos
Os sulcos sonoros; pois meu propósito é
Velejar além do ocaso, onde se banham
Todas as estrelas ocidentais, até a morte.
Talvez as tormentas nos destruam
Talvez atinjamos as Ilhas Afortunadas
E vejamos o grande Aquiles, que conhecemos.
Embora muito se perca, muito permanece; e embora
Não sejamos mais fortes como em tempos passados
Movemos o céu e a terra; o que somos, somos:
Uma só têmpera de corações heroicos,
Debilitados pelo tempo e o destino, mas fortes em ímpeto
Para lutar, buscar, encontrar, e não hesitar.

Funeral Blues, W. H. Auden – 332 Poemas 47


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250px-Isherwood_and_Auden_by_Carl_van_Vechten,_1939

Que parem os relógios, cale o telefone,
jogue-se ao cão um osso e que não ladre mais,
que emudeça o piano e que o tambor sancione
a vinda do caixão com seu cortejo atrás.

Que os aviões, gemendo acima em alvoroço,
escrevam contra o céu o anúncio: ele morreu.
Que as pombas guardem luto — um laço no pescoço —
e os guardas usem finas luvas cor-de-breu.

Era meu norte, sul, meu leste, oeste, enquanto
viveu, meus dias úteis, meu fim-de-semana,
meu meio-dia, meia-noite, fala e canto;
quem julgue o amor eterno, como eu fiz, se engana.

É hora de apagar estrelas — são molestas —
guardar a lua, desmontar o sol brilhante,
de despejar o mar, jogar fora as florestas,
pois nada mais há de dar certo doravante.

(tradução de Nelson Ascher)