ouça o poema Posto para a loucura, Julia Mendes
tenho afeição por vestir a loucura
ouço, vejo, toco seus ossos magros como
quem come. fatia a carne para um almoço
com certo descaso e certo amor
tenho afeição pelos olhos vermelhos
e verdes. justapostos. da loucura
tenho afeição pelo seu amor que sorri
seus dentes grandes
sua boca. seu lábio. seu mamilo encoberto
pelo frio. foi o frio que te pôs dentro de si
mesmo
que te enfiou, enrolou pelo rabo da loucura
tenho afeição por você
e pela loucura
misturados com um certo prazer que
tenho de te olhar
seus olhos vermelhos verdes justapostos
enrolados pelo cobertor
pela música baixinha
o ronco de uma luz
e a sua buzina já na
outra esquina
me esquecendo no momento
seguinte em que não sou
não posso ser loucura
tenho afeição pelo seu complexo
de avestruz
tua foto vermelha pregada na minha
lembrança como um cão selvagem
um gato
macunaíma
tenho afeição por
você
pela gengiva cheia de saliva
e até pelo cigarro que
você fuma
e eu nunca gostei eu nunca gostei de cigarro
e cigarro saindo dos meus dedos
dos meus olhos vermelhos
verdes justapostos
brasa. chama verde
que escreve períodos inteiros
com mais de uma oração
pela parede
a música baixinha
a luz só da lamparina
o quarto fica inteiro vermelho
com frases. palavras
justapostas e você
saindo por um desenho da minha lembrança
com fiapos vermelhos verdes
imbricados e o fio
da loucura.